24ª Feira do Livro de Ribeirão Preto: um recomeço que cabe na educação pública

Feira mobiliza escolas, retoma o vale‑livro após 12 anos e coloca mais de 10 mil alunos frente a escolhas literárias próprias.

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Nando Medeiros
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24ª Feira do Livro de Ribeirão Preto: um recomeço que cabe na educação pública

Feira mobiliza escolas, retoma o vale‑livro após 12 anos e coloca mais de 10 mil alunos frente a escolhas literárias próprias.

Panorama da 24ª Feira do Livro

Ribeirão Preto voltou a pulsar como centro cultural durante a 24ª Feira Internacional do Livro — um evento que, entre 15 e 24 de agosto, recolocou a literatura na agenda pública da cidade. A Prefeitura instalou um estande com programação integrada entre secretarias, com 101 ações gratuitas que foram de oficinas a apresentações artísticas. A iniciativa serviu como ponte entre serviço público e experiência cultural, integrando ainda saúde e assistência social no mesmo espaço de fruição literária.

A presença escolar ocorreu em grande escala: visitas por turnos, transporte gratuito, mediação por monitores da Feira e rotas que estimularam o contato dos estudantes com estandes variados. O destaque foi a retomada do vale‑livro — gesto simbólico e prático que combina acesso e autonomia na escolha de títulos nas bancas credenciadas. Reportagens locais registraram cerca de 10 mil alunos envolvidos, o que dimensiona o alcance e a responsabilidade logística de gestão pública e escolas.

O retorno do vale‑livro: história e sentido

O vale‑livro, instrumento de fomento direto à leitura que permite ao estudante escolher títulos e efetivar uma compra em feiras ou estandes credenciados, voltou a circular em Ribeirão Preto após 12 anos de interrupção. O retorno vai além do administrativo: resgata uma política que aproxima leitor e livro, reafirma o direito à escolha e consolida o acesso como parte da educação formal e cidadã.

No formato adotado em 2025, estudantes do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e da EJA receberam vales que totalizam R$ 30 por aluno. O valor foi pensado para que cada aluno selecione obras em feiras e estandes credenciados. Mais que recurso econômico, o vale‑livro funciona como ferramenta pedagógica: ao decidir o que ler, o estudante exerce preferência, autonomia e protagonismo leitor — capacidades centrais para formar leitores críticos e motivados.

Alcance e participação escolar: números e logística

Fontes locais e oficiais variam nos números, mas convergem no impacto: entre 10.300 e 10.630 estudantes da rede municipal participaram diretamente das ações escolares, com visitas agendadas e transporte gratuito provido pela Prefeitura. Diferenças desse tipo são comuns em operações de grande porte. Parte do público entra no cômputo por agendamentos; outra parte, por presenças confirmadas. Em síntese: mais de dez mil alunos mobilizados.

A logística exigiu articulação entre secretarias — Educação, Cultura, Transportes e outras —, planejamento de itinerários seguros, formação de monitores para mediação nas bancas e critérios claros para uso dos vales. Para reduzir filas e dispersões, as escolas receberam orientação para visitar três estandes, ampliando a diversidade de contato com autores, gêneros e editoras. Esse desenho busca transformar a saída cultural em oportunidade pedagógica intencional — uma sequência de encontros com textos, mediadores e práticas de leitura.

Impacto na formação leitora e inclusão cultural

Pesquisas e experiências de promoção da leitura apontam três fatores decisivos: acesso ao livro, mediação qualificada e continuidade. Estudos sobre leitura na infância mostram lacunas relevantes. Mesmo quando há acervo, o acesso livre e as práticas de leitura compartilhada seguem irregulares em larga escala, o que evidencia a necessidade de políticas que articulem aquisição de livros, formação docente e tempos de leitura no cotidiano escolar.

A distribuição de livros e vales reduz barreiras econômicas e acende o interesse inicial. Contudo, o efeito duradouro depende de conexão com bibliotecas escolares, capacitação de professores para mediação e ações que se estendam ao longo do ano letivo. Iniciativas e editais de fomento — como o Prêmio Vivaleitura — reforçam que modelos sustentáveis exigem replicabilidade, financiamento previsível e engajamento comunitário. Esses parâmetros ajudam a converter conquistas de ocasião em políticas permanentes.

Vozes da escola: relatos de professores e alunos

O impacto humano da Feira aparece em histórias concretas. Alunos apresentaram projetos autorais — como o jogo de tabuleiro criado por um estudante autista que convidou visitantes a jogar e explorar novas formas de expressão literária. Corais e encenações envolveram centenas de crianças em situações de performance e leitura dramatizada. Turmas também receberam doações de acervos em ações de estande, ampliando o repertório disponível em sala de aula.

Educadores destacaram o valor pedagógico da escolha. Quando o aluno decide o que levar para casa, o professor planeja leituras motivadas e projetos com base em preferências reais. Autoridades locais sublinharam a dimensão cidadã da iniciativa: ao devolver ao aluno a capacidade de escolher um livro, a cidade promove um ato de cidadania e afeto pela educação. Esses testemunhos, embora fragmentários, humanizam os números e sugerem efeitos imediatos na autoestima leitora e no engajamento escolar.

Limites e barreiras para continuidade

O próprio histórico — um intervalo de 12 anos sem vale‑livro — expõe fragilidades. Medidas simbólicas sofrem com cortes orçamentários e mudanças de gestão, o que reduz a efetividade sem ancoragem institucional e fontes de financiamento previsíveis.

Também pesam lacunas estruturais na formação de leitores desde os primeiros anos. Muitas creches e pré‑escolas ainda não garantem momentos regulares de leitura mediada, e o acesso livre aos livros em sala permanece reduzido em diversos contextos. Assim, o impacto do vale‑livro tende a ser limitado se não vier acompanhado de formação de professores, manutenção de acervos e estímulos à leitura em família. Por fim, questões logísticas — transporte, credenciamento de estandes e gestão dos vales — pedem protocolos claros para evitar exclusões e uso ineficaz de recursos.

Recomendações para políticas permanentes

Transformar a retomada do vale‑livro em política perene requer ações articuladas no curto, médio e longo prazos. Propostas práticas, alinhadas às evidências e a modelos de fomento reconhecidos, incluem:

  1. Estabelecer dotação orçamentária anual para livros e vales, com previsão legal que reduza a vulnerabilidade a mudanças administrativas.
  2. Integrar a distribuição de vales a um programa de bibliotecas escolares e comunitárias, garantindo continuidade de leitura no cotidiano do aluno.
  3. Investir na formação de mediadores de leitura — professores, bibliotecários e agentes comunitários — para que a escolha do aluno se converta em projeto pedagógico regular.
  4. Adotar critérios de avaliação e monitoramento (frequência de leitura, uso dos livros em projetos, participação familiar), inspirados em editais que priorizam replicabilidade e impacto, como os parâmetros do Prêmio Vivaleitura.
  5. Criar mecanismos de engajamento familiar e comunitário — clubes de leitura, empréstimos domiciliares, feiras locais descentralizadas — que prolonguem os efeitos da experiência da Feira.

Essas medidas dialogam com orientações para promoção da leitura na infância e com critérios de sustentabilidade e abrangência presentes em iniciativas nacionais de fomento. O objetivo é que o vale‑livro deixe de ser evento efêmero e passe a integrar um ecossistema público e contínuo de leitura.

Chamado à ação: integrar comunidade e cultura

A 24ª Feira do Livro mostrou que a cidade reúne vontade política, capacidade logística e uma comunidade escolar pronta para agir. Mais de dez mil estudantes foram alcançados, prova de que a escala se viabiliza quando há coordenação e empenho público. Agora, educadores, pais, gestores culturais e agentes comunitários podem transformar o momento em movimento permanente.

Convoco diretores a incluir nos projetos pedagógicos o acompanhamento pós‑Feira; gestores a institucionalizar orçamento e metas anuais de leitura; professores a usar as obras escolhidas pelos alunos como ponto de partida para oficinas e clubes; e famílias a celebrar a leitura no dia a dia. Quando ensino, política pública e comunidade convergem, o vale‑livro deixa de ser um ticket e vira semente: de leitores confiantes, de práticas culturais compartilhadas e de futuros possíveis que nascem entre linhas e parágrafos. Ribeirão Preto deu o primeiro passo — é hora de caminhar em conjunto.

Referências

Prefeitura participa da 24ª Feira Internacional do Livro com programação cultural e serviços público — https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/noticia/prefeitura-participa-da-24%C2%AA-feira-internacional-do-livro-com-programacao-cultural-e-servicos-publico

24ª Feira do Livro: 10,3 mil alunos da rede municipal de Ribeirão Preto participam e município retoma vale‑livro após 12 anos — https://portal016.com/24a-feira-do-livro-10-3-mil-alunos-da-rede-municipal-de-ribeirao-preto-participam-e-municipio-retoma-vale-livro-apos-12-anos/

Ribeirão Preto revive o vale-livro após 12 anos — https://emribeirao.com/especiais/feira-do-livro/%F0%9F%93%9A%E2%9C%A8-ribeirao-preto-revive-o-vale-livro-apos-12-anos-prefeitura-incentiva-leitura-na-feira-do-livro-com-101-acoes-gratuitas-%F0%9F%8E%89%F0%9F%93%96-69455/

A leitura como direito e o seu impacto no desenvolvimento das crianças — GIFE — https://gife.org.br/a-leitura-como-direito-e-o-seu-impacto-no-desenvolvimento-das-criancas/

Prêmio VivaLeitura vai injetar R$ 550 mil em ações de fomento — https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/lancado-nesta-terca-premio-vivaleitura-vai-injetar-r-550-mil-em-acoes-de-fomento-a-leitura-e-escrita