O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), referência do SUS em cirurgia e pesquisa ortopédica, vem adiando procedimentos eletivos de alta complexidade para priorizar o atendimento de vítimas graves de colisões, atropelamentos e quedas envolvendo motocicletas. Segundo dados do próprio instituto, em 2024 foram suspensas 1.450 cirurgias eletivas em razão das transferências emergenciais. Ainda de acordo com a unidade, cada emergência por trauma ortopédico que chega provoca o atraso no atendimento programado de cinco pacientes da fila de espera.

O problema se acentuou em 2025: entre janeiro e junho o Into passou a realizar, em média, cinco cirurgias de alta complexidade por semana para pacientes transferidos após acidentes de trânsito, número que tem pressionado a capacidade da instituição. A direção do instituto aponta que os casos de urgência demandam internações muito mais longas e custos superiores, pacientes vítimas de trânsito chegam a permanecer cerca de 25 dias internados e frequentemente precisam de antibióticos e intervenções mais extensas, o que compromete a rotina de cirurgias programadas.

O impacto extrapola o Into. Dados oficiais apresentados em conferência sobre segurança no trânsito mostram que, entre 2010 e 2023, 1,4 milhão de motociclistas foram internados no país por incidentes nas vias, ou 57,2% do total de internações por lesões de trânsito. Pedestres representam 19,4% e ocupantes de automóveis, 7,4%. As hospitalizações de motociclistas também concentraram 55,2% dos gastos hospitalares com vítimas de trânsito, mais de R$ 2 bilhões.

Pesquisa preliminar do Viva Inquérito 2024, realizada pelo Ministério da Saúde com 42 mil entrevistados em serviços de pronto atendimento, indica que 20,8% dos acidentados atendidos eram trabalhadores de aplicativos; nas regiões de São Paulo e Belo Horizonte esse percentual chega a 31%.

A sobrecarga preocupa gestores e profissionais do SUS, que alertam para um problema que não é apenas orçamentário, mas também de capacidade física e de pessoal. O envelhecimento da população já vinha elevando a demanda por ortopedia e traumatologia, e a alta nas vítimas de trânsito soma uma pressão adicional sobre leitos, equipes cirúrgicas e serviços de reabilitação.

O caso do entregador Eduardo Barbosa, 39 anos, ilustra a dimensão humana do problema. Transferido para o Into em janeiro de 2023 após sofrer acidente na rodovia, ele segue em reabilitação semanal com fisioterapia, terapia ocupacional e acompanhamento psicológico. Eduardo passou por múltiplas cirurgias, teve ossos e músculos perdidos no braço esquerdo e dois dedos amputados, e ainda tem sessões e procedimentos pela frente, profissionais do instituto evitaram amputação total do membro. Ele conseguiu auxílio-doença por ter contribuído como MEI, mas diz que a recuperação pode durar anos e que a volta ao trabalho será um objetivo distante.

Terapeutas ocupacionais do instituto relatam que grande parte dos atendidos por lesões graves no plexo braquial são motociclistas, muitos deles trabalhadores de aplicativo ou com pouca experiência, o que amplia a frequência de lesões incapacitantes. Além do impacto clínico, há consequências sociais: perda de renda, fragilidade nas redes de apoio e dificuldade de reinserção no mercado.

Gestores e profissionais defendem medidas integradas — desde políticas públicas de prevenção no trânsito e fiscalização até ampliação de capacidade hospitalar e de equipes de reabilitação, para conter o efeito em cascata que os acidentes com motocicletas vêm provocando no sistema de saúde.