Análise autoritativa sobre certificações, infraestrutura de ITS, contratos, impactos no tráfego e recomendações para gestores em Ribeirão Preto
Panorama: selos e certificações recentes
Ribeirão Preto busca consolidar a imagem de cidade conectada, com políticas voltadas à inovação urbana. Em levantamentos anteriores, figurou entre os destaques do ranking Connected Smart Cities, 22ª posição em 2017, avaliação multidimensional que considera mobilidade, tecnologia, governança e outros 11 fatores de conectividade urbana. Esse reconhecimento tende a atrair investimentos e a respaldar programas de modernização da gestão municipal, sobretudo em mobilidade e monitoramento urbano.
Além disso, a agenda de smart cities ganhou palco em eventos setoriais, como o Smart City Business, com projetos que articulam semaforização “inteligente”, monitoramento por câmeras e um Centro de Controle Operacional (CCO), elementos típicos de um Sistema Inteligente de Transportes (ITS) robusto. Importa, porém, distinguir visibilidade de entrega: selos e rankings sinalizam direção, mas não substituem auditorias independentes sobre contratos, prazos e resultados.
Arquitetura ITS implementada na cidade
A arquitetura de ITS anunciada contempla a integração entre semáforos inteligentes, um CCO e uma rede de câmeras para monitoramento em tempo real. Materiais oficiais de 2022 preveem 171 câmeras e 83 semáforos inteligentes, integrados a um centro capaz de ajustar tempos semafóricos conforme a congestão, funcionalidade central de um ITS voltado à fluidez e à gestão dinâmica do tráfego. Trata-se da espinha dorsal de um sistema que combina sensores, controladores, comunicação e software.
Tecnicamente, um ITS moderno envolve: (i) controladores semafóricos com conectividade IP e troca de dados em tempo real; (ii) sensores de fluxo (laços indutivos, câmeras com análise de vídeo ou radares) alimentando algoritmos de otimização; (iii) um CCO com visualização, histórico e telemetria; e (iv) integração com plataformas de mobilidade e dados abertos. Nos documentos públicos, observa-se a intenção de usar câmeras e semáforos para ajustar “tempo verde” em interseções congestionadas, mas faltam detalhes sobre protocolos, fornecedores, redundância e segurança da informação. Essa lacuna reforça a necessidade de análise técnica dos contratos e da implementação para aferir robustez, escalabilidade e manutenção.
Semaforização inteligente: o que foi prometido
As promessas oficiais incluem semáforos capazes de alterar dinamicamente o tempo do sinal conforme a demanda, reduzindo congestionamentos em pontos críticos. Em apresentações públicas, a gestão anunciou 83 semáforos inteligentes e 171 câmeras, com operação centralizada em um CCO. Em contrato subsequente (2022), constava a instalação de 90 equipamentos em cruzamentos distribuídos em 30 controladores, com prazo até maio de 2025.
Além das quantidades, as metas divulgadas enfatizaram maior fluidez e melhor resposta a eventos. Por outro lado, metas programáticas diferem de métricas técnicas contratadas (latência máxima de comunicação, disponibilidade dos controladores, precisão dos sensores). As comunicações públicas não detalham se os controladores seguem padrões abertos de interoperabilidade nem a política de manutenção e atualização, pontos críticos para sustentar o parque tecnológico e evitar obsolescência precoce.
Crise dos semáforos e investigação (CPI)
A crise ganhou corpo quando a execução do contrato de semaforização, assinado em novembro de 2022 com o Consórcio ITS (Sigma Engenharia, Kapsch TraffcCom e Sitran Sinalização de Trânsito), passou a acumular atrasos e alterações que elevaram custos. O contrato inicial, de cerca de R$ 19,49 milhões, previa 90 equipamentos em 30 controladores até maio de 2025; contudo, o cronograma não foi cumprido integralmente e termos de rerratificação entre 2023 e 2024 elevaram o valor para acima de R$ 20 milhões. Esses fatos motivaram a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal.
O escopo formal da CPI inclui verificar motivos do atraso, circunstâncias e impactos das rerratificações, valores pagos e equilíbrio entre entregue e contratado, além da atuação de fiscalizadores e gestores. A investigação requer contratos, ordens de serviço, cronogramas, comprovantes de pagamento e relatórios técnicos. O Consórcio ITS afirma cumprir o contrato e declara disposição para colaborar, enquanto a RP Mobi aponta atuar como órgão técnico na operação, destacando que a contratação ocorreu em gestão anterior. O caso revela fragilidades de governança: rerratificações com transparência limitada e documentação insuficiente sobre o que foi efetivamente instalado e testado.
Pórticos free-flow e papel da Ecovias
Os pórticos free-flow da Ecovias Noroeste Paulista substituem praças de pedágio por sistemas eletrônicos que permitem passagem em velocidade, com leitura de tags ou registro de placas para cobrança posterior. O serviço anuncia ao usuário a possibilidade de “seguir viagem sem precisar parar em cabines ou reduzir a velocidade”, com captura eletrônica e processamento do tráfego em movimento. Em operação, os pórticos reduzem filas e otimizam a arrecadação, mas exigem detecção e processamento confiáveis.
Na região de Ribeirão Preto, a implantação de pórticos altera fluxos e pode deslocar viagens para rotas alternativas a fim de evitar tarifação. Do ponto de vista municipal, cabe monitorar efeitos indiretos: mudanças de fluxo em vias urbanas, impactos em interseções semaforizadas e reflexos no transporte coletivo. A integração de dados entre o operador do free-flow e o CCO do ITS pode gerar sinergias, desde que haja acordos de compartilhamento, governança clara e salvaguardas de privacidade. Nos documentos consultados, não há indicação pública detalhada desses acordos entre Ecovias e a administração municipal, o que reforça a necessidade de transparência sobre como dados de fluxo e arrecadação dialogam com a gestão local do trânsito.
Contratos, custos e transparência financeira
O contrato de 2022 com o Consórcio ITS teve valor inicial de R$ 19,49 milhões, mas sofreu rerratificações que o elevaram para acima de R$ 20 milhões, sem prorrogação de prazo, segundo relatos jornalísticos. Alterações durante a execução exigem escrutínio: é imperativo verificar se houve justificativas técnicas e econômicas (alteração de escopo, variação legítima de preços, eventos imprevisíveis) e se foram devidamente documentadas, publicadas e fiscalizadas. Transparência financeira requer a divulgação sequencial de aditivos, notas técnicas, medições e laudos de aceitação que correlacionem pagamentos e entregas.
Além disso, é crucial avaliar cláusulas de performance, garantias e penalidades do contrato original: existem mecanismos de compensação por atraso ou não conformidade? Há garantias de manutenção e acordos de nível de serviço (SLA) para disponibilidade? Esses dispositivos protegem o erário e responsabilizam fornecedores. A reportagem que motivou a CPI questiona o que foi pago versus o que foi entregue e a atuação dos órgãos fiscalizadores, sugerindo lacunas de governança e controle interno. Transparência também implica publicar atas de fiscalização e análises de conformidade dos equipamentos instalados.
Impactos reais no trânsito e no usuário
Operacionalmente, o ajuste dinâmico dos tempos semafóricos busca reduzir espera e elevar a velocidade média, mas sua eficácia depende da cobertura (quantos controladores operacionais), da qualidade dos sensores e da calibração dos algoritmos. Segundo nota, o município possuía 70 controladores já instalados pelo sistema ITS, cada um gerenciando em média três cruzamentos, indicando implantação parcial e abaixo do escopo previsto. Essa diferença pode gerar ganhos localizados e frustrações em áreas sem avanço.
O usuário percebe efeitos em tempos de viagem, fluidez e confiabilidade do sinal. Quando parte das entregas não se concretiza, a experiência degrada — por manutenção insuficiente e por expectativas não atendidas. Ademais, incertezas contratuais e de manutenção tendem a agravar falhas com o tempo. É essencial coletar dados “antes e depois” (nível de serviço por corredor, tempo médio de travessia, número de paradas, índices de acidentes) para mensurar o impacto real e orientar ajustes técnicos e gerenciais.
Recomendações e próximos passos para gestores
Diante das incertezas e da investigação em curso, as ações prioritárias devem combinar auditoria, medidas técnicas e governança participativa. Recomenda-se, em ordem de prioridade:
- Auditoria técnica e financeira independente: contratar equipe especializada para confrontar contratado, medido e pago; avaliar qualidade das instalações; testar controladores; validar integrações; e conferir documentação e medições.
- Publicação imediata de documentação: disponibilizar contrato original, aditivos, rerratificações, medições, relatórios de testes e laudos de aceitação em portal público, permitindo fiscalização por vereadores, sociedade civil e técnicos.
- Auditoria operacional de desempenho: aferir métricas de tráfego antes e depois (tempos de viagem, espera em cruzamentos, volumes por faixa horária) para quantificar benefícios e identificar ajustes.
- Plano emergencial de manutenção e SLA: pactuar ou reforçar cláusulas que assegurem disponibilidade mínima dos controladores e procedimentos de manutenção corretiva e preventiva, com prazos e penalidades claras.
- Governança participativa: instituir comitê técnico-cidadão com RP Mobi, Prefeitura, operadores (Consórcio ITS, Ecovias), institutos de mobilidade e representantes dos usuários para acompanhar performance, priorizar corredores e deliberar sobre dados.
- Integração de dados com operadores de free-flow: firmar acordos de compartilhamento entre Ecovias e gestão municipal para uso de informações de fluxo e origem-destino, com garantias de privacidade e uso restrito à gestão de tráfego.
Essas medidas visam restaurar confiança, corrigir falhas operacionais e assegurar que os investimentos em ITS gerem benefícios mensuráveis à mobilidade urbana. A CPI pode esclarecer responsabilidades; cabe aos gestores agir desde já para mitigar riscos e promover transparência.