Redução da dengue e enfrentamento de escorpionismo e tráfico de fauna exigem ação integrada: vigilância, educação e serviços de saúde fortalecidos.
Panorama regional: Saúde pública e riscos ambientais
Como está a convergência entre arboviroses, animais peçonhentos e tráfico de fauna no nosso território? O cenário recente combina boas notícias e alertas importantes. No início de 2025, o país registrou queda de cerca de 69% nos casos prováveis de dengue nas primeiras semanas do ano, em comparação com o mesmo período de 2024. Esse resultado foi associado ao fortalecimento da vigilância, ampliação de testes e ações coordenadas entre ministério, estados e municípios. Apesar disso, as arboviroses seguem endêmicas em diversas áreas, concentrando‑se em regiões que ainda exigem vigilância contínua, sobretudo em estados com maior carga de casos.
Ao lado das arboviroses, outros riscos ambientais ganham força: acidentes escorpiônicos e tráfico de fauna. O escorpionismo constitui um problema de saúde pública relacionado à urbanização, à adaptação dos escorpiões ao ambiente domiciliar e às falhas de prevenção e acesso rápido ao atendimento. Em resposta, o Ministério da Saúde atualizou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para acidentes escorpiônicos (PCDT), reforçando vigilância, manejo clínico e logística de antiveneno. Paralelamente, apreensões e resgates de animais silvestres — como o macaco‑prego em Pernambuco — expõem um mercado ilegal que ameaça a biodiversidade e amplia o risco de zoonoses e de ferimentos diretos à população.
Essas três frentes, arboviroses, escorpionismo e tráfico de fauna, têm origem comum em fragilidades de governança ambiental, educação em saúde e capacidade de resposta dos serviços. Somente uma abordagem integrada, com participação ativa de famílias, profissionais e organizações, consolida os avanços conquistados e reduz a chance de repetir tragédias evitáveis.
Queda da dengue: ações que fizeram a diferença
A queda recente nos casos prováveis de dengue não resulta de sorte. Ela reflete a combinação de medidas técnicas, inovação e mobilização social. O Ministério da Saúde destaca o papel do Centro de Operações de Emergências (COE-Dengue), da ampla distribuição de testes diagnósticos e da expansão de estratégias inovadoras na resposta ao surto. Entre essas estratégias, sobressai a introdução da Wolbachia em populações de Aedes aegypti, tecnologia que impede a multiplicação do vírus dentro do mosquito e reduz sua capacidade de transmitir a doença. Em Campo Grande, estudos locais associaram a presença de mosquitos com Wolbachia a uma redução de cerca de 63,2% nos casos de dengue nas áreas monitoradas, mostrando potencial de replicação da estratégia em outras cidades.
Além disso, ações educativas em escolas e comunidades, aliadas a visitas técnicas a estados e municípios, fortaleceram a vigilância local e a detecção precoce de surtos. Esses componentes se complementam: testes e COE garantem identificação rápida e coordenação; Wolbachia atua diretamente no vetor; educação em saúde mobiliza famílias e escolas para eliminar criadouros e buscar atendimento no tempo certo.
Para manter a tendência de queda, é essencial consolidar financiamento, ampliar as intervenções para áreas vulneráveis e preservar a vigilância ativa. O desafio é não relaxar após a melhora, mas transformar esse momento em ponto de virada duradouro, reforçando a cultura de prevenção em toda a comunidade.
Vigilância comunitária e prevenção doméstica
A sustentação verdadeira da proteção contra dengue e outros riscos ambientais nasce nas casas, nas ruas e nas escolas. O que famílias, lideranças locais e ONGs podem fazer hoje para reduzir vetores e perigos no território? A resposta é concreta e, sobretudo, poderosa. A vigilância comunitária se apoia na observação do entorno, na denúncia responsável e em pequenas mudanças diárias no ambiente. Somadas, essas ações alteram o quadro sanitário de bairros inteiros. Entre as prioridades, destacam‑se:
- Eliminar recipientes que acumulem água parada (pratos de vasos, garrafas, latas, caixas), esvaziando ou mantendo bem tampados;
- Manter limpeza peri‑domiciliar, afastando entulhos e pilhas de materiais que servem de abrigo a insetos e pequenos vertebrados;
- Fazer descarte adequado de lixo e integrar‑se a mutirões de limpeza organizados por associações de bairro e escolas.
Essas medidas reduzem a proliferação do Aedes aegypti e de espécies que se favorecem de ambientes desorganizados. Em relação ao escorpionismo, recomenda‑se vedar frestas em paredes e portas, inspecionar roupas e calçados antes do uso, manter caixas e brinquedos fechados e evitar acúmulo de materiais empilhados, condutas reforçadas no PCDT como base da prevenção individual e comunitária.
ONGs e escolas exercem papel multiplicador. Campanhas em sala de aula, oficinas de identificação de criadouros, produção de vídeos educativos e pontos fixos de descarte têm alto impacto. Ao mesmo tempo, a participação popular na notificação de focos de vetores e na denúncia de tráfico de fauna melhora a vigilância e protege a biodiversidade. Em síntese, pequenos gestos cotidianos, repetidos por muitas pessoas, salvam vidas humanas e preservam a vida silvestre.
Atualização de protocolo: picadas de escorpião
As mudanças recentes no manejo clínico do escorpionismo e as orientações do PCDT oferecem maior clareza sobre condutas imediatas e uso de antiveneno. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, revisado pelo Ministério da Saúde, organiza evidências e recomendações práticas para profissionais da rede. Entre os pontos prioritários para equipes de saúde e famílias, destacam‑se:
Para as famílias, as ações iniciais seguem simples e decisivas: lavar o local com água e sabão, procurar atendimento médico o mais rápido possível e, se for seguro, capturar ou fotografar o animal para identificação, sem contato direto com as mãos. Profissionais da atenção primária e das emergências precisam dominar os fluxos de referência, usar o soro de forma adequada e conhecer os contatos dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), que apoiam as condutas em situações de dúvida ou gravidade.
Capacidade hospitalar e avanços no HC
Responder bem a emergências por envenenamentos e traumas depende de hospitais organizados, com protocolos claros, estoques adequados e equipes treinadas. Embora a literatura consultada se concentre em diretrizes e dados epidemiológicos, o PCDT sublinha a importância da estrutura assistencial: estoques descentralizados de antiveneno, capacitação permanente, acesso a exames e monitorização e fluxos definidos para UTI, quando necessário.
Quando hospitais alinham estrutura, protocolos e capacitação, diretrizes deixam de ser documentos distantes e passam a se traduzir em vidas salvas e sequelas evitadas. Onde houver investimento em organização de fluxo, diagnóstico rápido, equipes cirúrgicas e de emergência bem preparadas, a comunidade sentirá a diferença em mortalidade e recuperação funcional. Por isso, gestores e conselhos hospitalares precisam priorizar avaliações periódicas de prontidão, simulações realistas e planos de melhoria contínua.
Tráfico de macacos‑prego: estudo de caso e riscos
O resgate de um macaco‑prego revela uma realidade que ainda machuca o país: o tráfico de fauna silvestre, com animais mantidos em cativeiro irregular, submetidos a maus‑tratos e arrancados de seus habitats naturais. A operação que permitiu o resgate evidenciou que centenas de animais vêm sendo retirados da natureza e apreendidos em ações de fiscalização, comprovando que denúncias e operações conjuntas conseguem interromper cadeias ilegais.
Os riscos associados ao tráfico se desdobram em diferentes dimensões:
- Ecológicos: redução de populações locais, desestruturação de grupos de primatas e prejuízo a serviços ecossistêmicos, como dispersão de sementes;
- Sanitários e zoonóticos: convivência forçada entre humanos e animais silvestres favorece o surgimento ou a circulação de agentes infecciosos. O manejo inadequado gera ferimentos, contaminações e exposição a vetores;
- Sociais e legais: o tráfico alimenta redes criminosas, explora vulnerabilidades econômicas e viola leis ambientais, afetando comunidades inteiras.
O caso do macaco‑prego mostra que proteger a fauna também é proteger a saúde pública. Em resposta, ganham relevância as denúncias da população, o apoio a centros de triagem e reabilitação, além de programas de educação ambiental que aproximem crianças, jovens e adultos da noção de que cada animal retirado da natureza representa uma perda coletiva. Em outras palavras, combater o tráfico é escolher um futuro mais equilibrado para as próximas gerações.
Políticas integradas e propostas de ação
A experiência acumulada demonstra que respostas isoladas, restritas a um único setor, não acompanham a complexidade dos riscos atuais. Diante disso, uma agenda integrada, realista e inspiradora se torna essencial. Entre as propostas:
- Consolidar vigilância integrada (arboviroses, envenenamentos e fauna): criar painéis regionais que cruzem dados ambientais, notificações em saúde e registros de apreensão de animais silvestres, permitindo antecipar surtos e direcionar ações prioritárias.
- Ampliar e sustentar tecnologias comprovadas: expandir gradualmente a estratégia Wolbachia em novas áreas, com monitoramento rigoroso, enquanto se mantêm a ampla disponibilidade de testes diagnósticos e campanhas educativas permanentes.
- Fortalecer atenção básica e hospitais: descentralizar estoques de antiveneno, treinar equipes para o manejo de escorpionismo e estabelecer planos logísticos de contingência, de acordo com recomendações do PCDT.
- Integrar fiscalização ambiental e saúde pública: estruturar ações conjuntas entre órgãos ambientais, vigilância em saúde e segurança pública para combater o tráfico de fauna, com fluxos de encaminhamento para centros de reabilitação e estratégias de comunicação focadas em denúncia e prevenção.
- Mobilizar comunidades e ONGs: investir em programas que associem educação ambiental, prevenção domiciliar e promoção de saúde, com apoio técnico e recursos para iniciativas comunitárias que nascem nos bairros, escolas e associações locais.
Coordenadas e bem financiadas, essas medidas aproximam o sistema de um modelo baseado em prevenção, em vez de reação. Assim, resultados como a recente redução da dengue deixam de ser conquistas pontuais e passam a representar um novo padrão de cuidado compartilhado com a saúde e a fauna.
Convocação comunitária: passos práticos e engajamento
Transformar conhecimento em ação é o próximo passo — e ele começa com atitudes acessíveis a qualquer pessoa. A seguir, um checklist objetivo para orientar famílias, profissionais de saúde e ONGs:
- Famílias: • Inspecione e elimine água parada semanalmente; tampe caixas d’água, tonéis e vasilhas.
• Vede frestas, mantenha quintais limpos e revise roupas e calçados antes de usar para reduzir o risco de escorpiões.
• Denuncie criação ou comércio ilegal de animais silvestres pelos canais de fiscalização disponíveis em seu município ou estado. - Profissionais de saúde: • Domine o PCDT e os fluxos locais; mantenha contato atualizado com o CIATox e revise rotinas de indicação de soro e monitorização de pacientes.
• Inclua, em consultas e atividades coletivas, orientações sobre prevenção da dengue, sinais de alerta em acidentes escorpiônicos e proteção da fauna. - ONGs e escolas: • Organize mutirões, pontos de descarte correto, oficinas escolares e materiais educativos sobre dengue, escorpiões e conservação da vida silvestre.
• Apoie campanhas de denúncia do tráfico, fortaleça redes de reabilitação de animais resgatados e promova atividades que aproximem crianças e jovens do cuidado com o meio ambiente.
Cada atitude, mesmo a mais simples, soma com a do vizinho, com a da equipe de saúde e com a da escola do bairro. A queda da dengue mostrou que coordenação e inovação produzem resultados concretos; o próximo passo é manter esse ritmo e expandir a mesma energia para o enfrentamento do escorpionismo e do tráfico de fauna.
Ao unir saúde, meio ambiente e comunidade, a região dá um passo firme em direção a um futuro mais seguro, equilibrado e cheio de vida.