Resumo didático sobre a proposta de usar a Contribuição de Iluminação Pública (CIP) para bancar monitoramento por câmeras com IA em Ribeirão Preto.
Contexto: proposta e objetivos
A Câmara de Ribeirão Preto aprovou em primeira discussão uma mudança na legislação que amplia as finalidades da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP). A ideia é permitir que parte desses recursos financie sistemas de monitoramento voltados à segurança e à preservação de logradouros públicos. A proposta, aprovada por ampla maioria, ainda precisa de nova votação e sanção para vigorar.
Segundo a Prefeitura, a alteração busca viabilizar um programa de câmeras com softwares avançados e inteligência artificial, inspirado em iniciativas de cidades maiores, como o Smart Sampa, em São Paulo. A administração afirma que a adequação legal não muda os valores atualmente cobrados pela CIP nem interfere em contratos de iluminação já firmados.
O debate público, porém, traz preocupações sobre proteção de dados, transparência e governança do sistema. Vereadores e representantes da sociedade pedem garantias técnicas e jurídicas antes de qualquer implementação ampla de monitoramento com IA. Esses pontos orientam a leitura das seções a seguir.
Como funciona a tarifa de iluminação
A CIP é uma contribuição cobrada junto à conta de energia elétrica para custear a iluminação pública. A mudança aprovada amplia, no plano legal, a possibilidade de uso dessa receita, incluindo projetos de monitoramento para segurança e preservação de espaços públicos, além da iluminação em si. Importante: a proposta não cria novos tributos nem eleva a alíquota; apenas autoriza uma nova destinação para parte do recurso já arrecadado.
Na prática, a CIP é repassada automaticamente por meio da fatura de energia e, depois, transferida ao município conforme regras e contratos vigentes. Empregar esses valores em vigilância exige compatibilização com contratos em curso (como PPPs de iluminação) e respeito a limites legais que vinculam a CIP. Para o cidadão, isso implica exigir documentos públicos que detalhem origem, montante alocado e compatibilidade com contratos — base para fiscalizar o uso do que se paga na conta de luz.
Quanto vai aumentar na sua conta
É natural querer saber o impacto no bolso. Até aqui, a Prefeitura informa que a alteração legal “não cria ou altera os valores da CIP”, ou seja, não prevê aumento imediato da contribuição na fatura. A Câmara aprovou a mudança em primeira votação sem apresentar, naquele momento, um detalhamento financeiro que associe valores do projeto ao impacto por residência.
Dessa forma, podemos afirmar duas coisas: (1) não há, nas fontes oficiais, um valor de acréscimo por residência decorrente da proposta; (2) o impacto dependerá da transparência orçamentária — quanto da CIP será destinado ao monitoramento e por quanto tempo. Para responder “quanto vai aumentar na sua conta”, é preciso cobrar relatórios orçamentários, cronograma financeiro, estimativas de operação e manutenção e eventual estudo de impacto tarifário. Sem isso, não há base técnica para um número confiável.
Como referência de gasto já executado, a Prefeitura destinou R$ 3.199.600,00 à aquisição de equipamentos, incluindo 22 câmeras e infraestrutura para a Guarda Civil Municipal (GCM), dentro do programa “Guardiões da Cidade”. Trata-se de um investimento local em monitoramento, não necessariamente vinculado à CIP ampliada, que ilustra a escala de custos envolvidos.
Gestão, acesso e responsabilidade
Quem gere as imagens, quem acessa e quem responde pela manutenção são pontos centrais. Em Ribeirão Preto, a GCM opera uma Central de Monitoramento com equipamentos em pontos estratégicos e integra imagens a sistemas inteligentes do Estado, como o Detecta, que cruza dados policiais para agilizar o atendimento. A experiência indica que a operação pode ficar com a GCM, com integração a outras forças de segurança mediante acordos.
Quanto à responsabilidade administrativa e técnica, o uso de recursos públicos como a CIP exige detalhamento de: controlador do tratamento (quem define finalidades e regras), operadores autorizados (quem acessa e manipula imagens), prazos de retenção, contratos com fornecedores e rotinas de manutenção e substituição. A falta de clareza nesses itens pautou o debate na Câmara, com pedidos de garantias contra compartilhamento indevido de dados biométricos e regras claras de transparência técnica antes da implantação.
Do ponto de vista jurídico, o tratamento de imagens que gerem templates biométricos ou integrem bases de identificação demanda relatórios de impacto e governança compatíveis com a lei — veja a seção sobre LGPD. Em síntese: a Prefeitura deve publicar contratos, políticas de acesso, termos de cooperação com forças policiais e um plano de governança que defina responsabilidades técnicas e financeiras.
Privacidade e LGPD: o que muda
Videomonitoramento com biometria e reconhecimento facial envolve dados pessoais sensíveis e requer cuidados previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) orienta que dados biométricos, como faceprints, são sensíveis e seu tratamento deve respeitar necessidade, finalidade, minimização e transparência.
A ANPD alerta para riscos específicos: vieses algorítmicos com potencial discriminatório, falsos positivos e negativos com consequências graves, uso secundário indevido, coleta sem informação adequada e falhas de segurança (como vazamento de templates). Mesmo em segurança pública, o artigo 4º e dispositivos correlatos da LGPD impõem salvaguardas, recomendando relatórios de impacto à proteção de dados (RIPD) para tratamentos de alto risco.
No debate local, vereadora manifestou preocupação com a segurança de dados biométricos e exigiu garantias contra entrega de informações sensíveis a terceiros sem controles jurídicos e técnicos adequados. Para avançar com conformidade, a Prefeitura deve apresentar base legal para cada tratamento, RIPDs, medidas de segurança (criptografia, segregação de acessos, logs), regras de retenção e descarte e mecanismos de responsabilização e reparação em caso de incidentes.
Métricas de eficácia e transparência
Câmeras e IA só se justificam se houver metas mensuráveis e auditoria independente. É preciso pactuar indicadores mínimos, como: tempo de resposta a ocorrências, prisões ou recuperações de bens atribuíveis ao sistema (quando aplicável), redução de tipos de crime nas áreas monitoradas, custos operacionais anuais e taxas de falsos positivos/negativos. A divulgação periódica desses dados permite avaliar custo‑benefício e corrigir rotas.
Estudos técnicos relatados pela ANPD mostram projetos que expandem vigilância sem comprovar redução significativa de crime e com pouca transparência sobre acurácia e impactos sociais. Em Ribeirão Preto, a Central da GCM integra câmeras e sistemas inteligentes para acelerar respostas, mas a efetividade precisa ser demonstrada por relatórios públicos que relacionem investimento a resultados.
Recomenda‑se instituir auditorias técnicas (acurácia e vieses), financeiras (aplicação da CIP) e jurídicas (aderência à LGPD). Além disso, painéis públicos, audiências e relatórios trimestrais simplificados fortalecem o controle social e a legitimidade.
Experiências em outras cidades e parques
O uso de reconhecimento facial e IA em “cidades inteligentes” no Brasil é variado. Programas como o Smart Sampa, em São Paulo, e iniciativas em estados como Bahia, Goiás e Rio de Janeiro mostram cenários mistos: ampliações técnicas, controvérsias sobre transparência, casos de identificação equivocada e questionamentos sobre impacto na redução do crime.
O documento da ANPD reúne casos que indicam resultados heterogêneos: na Bahia, grande volume de imagens e expansão sem indicadores públicos claros de redução da violência; em Goiânia, bases de dados de grande porte com governança pouco explicitada; no Rio, registro público de detenção equivocada por identificação incorreta e questionamentos operacionais. Em alguns contextos, como campanhas em metrôs, o uso sem transparência resultou em ações judiciais e sanções.
Em Ribeirão Preto, o “Guardiões da Cidade” implantou 124 câmeras e uma central operada pela GCM integrada ao Detecta, com recursos municipais e emendas, e relatos de melhor integração entre forças policiais. A lição comum: tecnologias podem gerar ganhos operacionais, mas exigem governança, transparência e salvaguardas legais para mitigar riscos.
Ouvir polícia, juristas e sociedade
Para planejar a expansão, é essencial incluir perspectivas diversas. Autoridades de segurança costumam sustentar que câmeras e IA auxiliam na prevenção e elucidação de crimes, encurtando o tempo de resposta e apoiando o trabalho conjunto entre guardas e polícias. Por outro lado, juristas e especialistas em dados enfatizam riscos à privacidade, discriminação algorítmica e a necessidade de base legal, relatórios de impacto e fiscalização por órgãos competentes. Sociedade civil e vereadores já pediram garantias explícitas sobre dados biométricos e transparência técnica antes da implementação plena.
Para um debate qualificado, a Prefeitura deve promover audiências públicas, publicar estudos de impacto com antecedência, ouvir especialistas independentes (juristas, cientistas de dados, entidades de direitos civis) e abrir canais contínuos de participação. Medidas práticas incluem exigir RIPDs antes de qualquer captura biométrica, proibir usos secundários incompatíveis, limitar a retenção de imagens e criar um comitê de governança com sociedade civil, Ministério Público e representantes técnicos.
Referências
Câmara de Ribeirão Preto aprova mudança na cobrança da iluminação pública — https://www.acidadeon.com/ribeiraopreto/politica/camara-de-ribeirao-preto-aprova-mudanca-na-cobranca-da-iluminacao-publica-entenda/
Ribeirão Preto mira sistema de monitoramento com IA e define fonte de receita — https://www.acidadeon.com/ribeiraopreto/politica/ribeirao-preto-mira-sistema-de-monitoramento-com-ia-e-define-fonte-de-receita/
GCM inaugura central de monitoramento por câmeras — https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/noticia/gcm-inaugura-central-de-monitoramento-por-cameras
Radar tecnológico: biometria (ANPD) — https://www.gov.br/anpd/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos-tecnicos-orientativos/radar-tecnologico-biometria-anpd-1.pdf